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Foto: Edgard Abbehusen |
Nesse domingo, 16 de novembro, foi exatamente assim. Na programação, estaria uma praia, caminhada, tomar uma água de coco. O tempo, fechado, não permitiu que assim fosse. Voltei pra cama. Peguei o celular para ver mensagens, atualizações de redes sociais e conversas paralelas em grupos de Whatsapp.
Então, aquele domingo começou a ter cheiro de morte.
Chegava ao meu conhecimento a morte de Paulo José de Jesus Almeida Alves, aos 49 anos. Ex vereador (2001-2004), radialista, presidente da Filarmônica 5 de Março e um altruísta nas causas sociais, culturais e políticas de Muritiba.
Minha última conversa com Paulo José foi na tarde da última sexta-feira, 14, e bem rápida. Ele, saía do Banco. Eu estava chegando. No breve papo, sua felicidade em relatar os andamentos dos trabalhos na nova sede da Filarmônica Cinco de Março. Me solicitou uma matéria no Primogênio Notícias, falando sobre os trabalhos desenvolvidos por lá. Marcamos pra a próxima quarta-feira, 19.
Outros amigos relatam que viram Paulo José na noite da mesma sexta-feira. Alguns, comentaram que encontraram ele no feriado de sábado. Ouvi também uma pessoa dizendo que, ainda no domingo de manhã, na hora de passar para o futebol de amigos, cumprimentou Paulo José na porta de sua casa. A morte faz isso com a gente. Ficamos pensando e até nos esforçando para lembrar de cada detalhe que nos remeta a lembrança da última vista ou conversa com quem fez sua passagem. Pensamos que poderíamos ter dito o quanto aquela pessoa era importante e, se o tempo voltasse, ficaríamos até um pouco mais naquela conversa. Teríamos parado para uma despedida ou convidado aquela pessoa para um café.
Mas, a morte, não nos permite essa chance.
Ela não manda recado, poema ou telegrama. Ela simplesmente aparece na manhã de domingo ou qualquer outro dia da semana, sem hora marcada e não nos pergunta se queremos ir antes ou depois do almoço. Não nos permite tomar a decisão de adiar e suspender o 'morrer' ou prorrogar a vida. A previsibilidade não funciona com a morte. E, mesmo sabendo de tudo isso, conscientemente, todos os dias, recebendo as maiores lições, ainda 'vivemos como se nunca fossemos morrer, para morrer como se nunca tivéssemos vivido.'
E ela não quis saber da entrevista marcada para a próxima quarta-feira. Não perguntou se não seria melhor levá-lo após a conclusão das obras da sede da filarmônica Cinco de Março. Não se preocupou em permitir que os alunos de Paulo José, no Colégio Polivalente, se despedissem dele em sua próxima aula, que seria nessa segunda-feira, 17.
Simplesmente o levou.
Toda essa história, me remete a um fato que aconteceu em 2010, quando um grupo se reuniu para tentar ajudar na reconstrução da sede da Filarmônica Cinco de Março. Eram reuniões, emails, discursos, palavras e egos sobressaltados. Todo mundo tinha a solução e, alguns, começaram a sugerir que a Cinco de Março sofria por falta de gestão financeira e administrativa. Era a fase de "se der certo, o pai da criança sou eu.".
O pobre Paulo seria vítima das suposições e insinuações da dita classe 'intelectual' e revoltada de Muritiba.
Aquela turma que tem muita teoria, muita conversa bonita, muitas ideias, tem a solução para todos os problemas da cidade mas sempre foge da raia na hora do 'vamos ver'. Essa turma que se esconde, tem um sério problema: Julgar quem dar a cara pra bater.
Reles mortais. Não sabem eles que são co-responsáveis pela cidade do presente que eles julgam como irrelevante e inexpressiva. Aos poucos, a febre pela reconstrução da sede da Cinco de Março foi passando. E Paulo José, sozinho, correu atrás do seu sonho altruísta e levantou a sede para toda a comunidade. Com a promoção de rifas, festivais de tortas, bingos, Paulo bateu a lage, comprou o piso, pintou e abriu as portas da nova sede, ainda em fase de construção.
Agora, lendo alguns elogios ao Paulo, principalmente os de quem dizia que ele 'não sabia administrar' e ainda listava os motivos para essa opinião 'formada', usando o termo "caráter", "dignidade", "homem sério" para defini-lo após sua morte, me pergunto se são palavras que se enquadram na chamada licença poética, ou apenas uma maneira de se redimir do pouco caso que tanto tivemos com Paulo José.
Não seria Paulo José bem aproveitado como um secretário municipal?
Não seria Paulo José um excelente defensor das causas culturais da cidade em um cargo municipal que lhe permitisse tomar decisões?
Ninguém pensou nisso. Todos preferiam ver Paulo José caminhando do Colégio Polivalente para a sua casa. Indo e vindo. Sempre, em qualquer gestão municipal ou reuniões de associações, Paulo era ativamente participativo. Escolhiam ele para redigir a ata de assembleias, sessões solenes, audiências públicas.
Paulo se dedicou a Cinco de Março. Preferiu, indiretamente, interferir no futuro de Muritiba. E assim ele fez. Debruçou-se sobre as causas da filarmônica que dirigia, construiu sua imagem de formador de opinião preciso e coerente no cenário político e morreu deixando um legado.
Abaixo, uma das muitas conversas que tenho arquivadas no messenger do Facebook. Essa foi em maio de 2014. Nela, falamos sobre a visita da fotografa Valéria Simões a sede da Cinco de Março, onde ele revela seu sonho: "Se Deus quiser (a sede da Cinco de Março) vai ser o centro cultural da nossa cidade".
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Conversa com Paulo José em 10 de maio de 2014. |
Tínhamos Paulo José vivo até domingo pela manhã e preferimos ser patéticos e injustos na sua presença. A morte dele nos revelou isso. As palavras descritivas em perfis nas redes sociais traduzem o quanto poderíamos usufruir de Paulo José e, assim como tudo nessa terra, vaidades pessoais e intransigência intelectual impediram.
A ficha caiu.
Agora, temos o seu legado. A sede da Cinco de Março, os alunos, os instrumentos e a fórmula pronta para se construir uma sociedade mais justa e cultural. Está tudo ali, na Praça do Bonfim. Que não sejamos mais uma vez hipócritas e patéticos, principalmente aquele clube intelectual da cidade, em transferir a responsabilidade - somente - para os poderes públicos.
Que tenhamos tempo de sobreviver ao caos sendo um pouco menos patético. Que tenhamos sabedoria para aproveitar Muritiba e os seus filhos. Amanhã, depois do café ou antes do almoço, podemos ir embora sem ter deixado legado algum. Apenas palavras de como poderia ser feito.
Paulo José de Jesus Almeida Alves foi-se antes do almoço, antes do 50 anos. Deixou muito mais do que palavras. Deixou o resultado de sua ação. Deixou muito mais do que um legado: Nos deixa uma lição e a pergunta:
O que estamos REALMENTE fazendo por nossa cidade?
Perfeita visão, de uma pessoa que sempre buscou elevar a cultura de Muritiba.
ResponderExcluirExcelente Edgard! Temos a hipocrisia de sempre canonizar os mortos e demonizá-los quando vivos, por quê? As calúnias quanto à Paulo José se esfumaçaram, pois ele deu a volta por cima e seguiu, mesmo quase solitário, o seu rumo. Infelizmente se foi ainda muito cedo, pois, com certeza, muito trabalho ainda lhe esperava.
ResponderExcluirMuito boas suas palavras.Paulo, amigo de todas as horas,independente de grupo político,pessoa sábia,inteligente e de um coração abençoado para o bem.saudade eterna meu amigão.
ResponderExcluirParabéns por suas palavras. Nasci e me criei aí em Muritiba. Sou um desses muritibanos apaixonados por nossa cidade, mas que a vida jogou pra longe. Cresci com Paulo, brincando no quintal do casarão da praça da bandeira, entramos na 5ª série e saímos formados do CECA. Éramos uns 10 ou 12 que vivermos 8 ou 10 anos de vidas juntos. Adolescemos juntos, aprendemos juntos e ficamos adultos juntos. Paulo mesmo tão longe sempre povoou minhas melhores lembranças de infância e de vida. O que trago de bom de Muritiba, ele está lá. As mágoas que ele pode ter levado consigo da nossa terrinha são as mesmas minhas. Mas as boas lembranças que tenho, ficarão e Paulinho terá um espaço pra sempre entre elas.
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